Costumes populares entre nós
Por Amílcar Neves*
Início de mês (o pessoal acabou de receber o salário), estacionamento lotado, supermercado entupido de gente, o sujeito não teve dúvida: levou no carro seus 38 anos de idade até a porta e ocupou uma vaga reluzente que jazia bem ali. Seria puro golpe da fortuna não fosse a circunstância de ser, aquele, um espaço reservado a deficientes físicos.
Parou, estacionou, desligou o motor, puxou o freio de mão, saiu do carro, bateu a porta e acionou o controle remoto. Olhou para os lados com um nítido ar de desafio, ostensivo, estampado no rosto e caminhou em passos seguros, sem manquitolar nem arrastar os pés, em direção ao edifício. Seus movimentos de braços e mãos mostravam-se impecáveis, destravados e desinibidos. Sequer era corcunda.
Ao entrar, foi abordado por um cliente:
- Bom dia, amigo. Lamento perturbá-lo, mas preciso fazer-lhe uma perguntinha. O amigo notou que aquela é uma vaga especial?
- Sim, notei - ele respondeu, aguardando o que viria.
- Será esse o seu caso?
- Não, não é o meu caso, graças a Deus, sou uma pessoa saudável, na plena posse e uso das faculdades físicas e, ao que parece, também de todas as aptidões mentais e intelectuais.
- Que bom! Deus assim o guarde! - e ao homem que assim falava passaram-lhe pela mente cenas de gente estacionando impune bem debaixo de placas de trânsito que proíbem a prática, de motoristas e motociclistas ultrapassando pela direita, pelo acostamento e sobre faixas de pedestre que apontam o dedo médio quando repreendidos com uma buzinada ou sinal de luz: sabem que estão errados e reagem de maneira agressiva ao invés de pedir desculpas e se envergonhar da transgressão que põe em risco a vida de inocentes; veio-lhe à memória a história do funcionário graduado cujo aluguel é pago pela grande empresa privada para a qual trabalha e que assinou dois contratos de locação, um oficial, de R$ 2 mil, e outro, de R$ 2,8 mil, que enviou à contabilidade para fins de reembolso; tais imagens, tão corriqueiras, sucederam-se velozmente em seu cérebro e o homem assim concluiu: - Mas por que então, cidadão, ocupou aquele espaço reservado aos nossos irmãos deficientes?
- Porque o meu irmão é deficiente físico, vive numa cadeira de rodas e eu vim aqui pegá-lo. Quer ver?
- Não, obrigado, eu acredito no amigo.
- Então por que não vai cuidar da sua vida, seu desocupado? (ele falou outra palavra).
Parou, estacionou, desligou o motor, puxou o freio de mão, saiu do carro, bateu a porta e acionou o controle remoto. Olhou para os lados com um nítido ar de desafio, ostensivo, estampado no rosto e caminhou em passos seguros, sem manquitolar nem arrastar os pés, em direção ao edifício. Seus movimentos de braços e mãos mostravam-se impecáveis, destravados e desinibidos. Sequer era corcunda.
Ao entrar, foi abordado por um cliente:
- Bom dia, amigo. Lamento perturbá-lo, mas preciso fazer-lhe uma perguntinha. O amigo notou que aquela é uma vaga especial?
- Sim, notei - ele respondeu, aguardando o que viria.
- Será esse o seu caso?
- Não, não é o meu caso, graças a Deus, sou uma pessoa saudável, na plena posse e uso das faculdades físicas e, ao que parece, também de todas as aptidões mentais e intelectuais.
- Que bom! Deus assim o guarde! - e ao homem que assim falava passaram-lhe pela mente cenas de gente estacionando impune bem debaixo de placas de trânsito que proíbem a prática, de motoristas e motociclistas ultrapassando pela direita, pelo acostamento e sobre faixas de pedestre que apontam o dedo médio quando repreendidos com uma buzinada ou sinal de luz: sabem que estão errados e reagem de maneira agressiva ao invés de pedir desculpas e se envergonhar da transgressão que põe em risco a vida de inocentes; veio-lhe à memória a história do funcionário graduado cujo aluguel é pago pela grande empresa privada para a qual trabalha e que assinou dois contratos de locação, um oficial, de R$ 2 mil, e outro, de R$ 2,8 mil, que enviou à contabilidade para fins de reembolso; tais imagens, tão corriqueiras, sucederam-se velozmente em seu cérebro e o homem assim concluiu: - Mas por que então, cidadão, ocupou aquele espaço reservado aos nossos irmãos deficientes?
- Porque o meu irmão é deficiente físico, vive numa cadeira de rodas e eu vim aqui pegá-lo. Quer ver?
- Não, obrigado, eu acredito no amigo.
- Então por que não vai cuidar da sua vida, seu desocupado? (ele falou outra palavra).
* Amilcar Neves, escritor. Crônica publicada na edição de hoje, 15.4.2009, do jornal Diário Catarinense. Reprodução autorizada pelo autor.
Ilustração: Gallo Sépia.
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