2 de dez. de 2008

A resistência dos flagelados (3)

Os professores Luiz Felipe Falcão e Reinaldo Lohn, do curso de História da Udesc, entram no debate sobre a obstinada resistência dos flagelados em deixar suas casas nas áreas de risco.


"Caro Celso,
em alguns aspectos, é impossível não lembrar que, para certas pessoas, a ligação com sua terra (no caso específico daquelas pessoas do interior da região e com ligações com a agricultura familiar) é mais do que uma questão contratual. É questão de sobrevivência. Há componentes culturais que talvez sirvam para entender isso. Ter a própria terra e tomá-la como garantia de sobrevivência futura (os dias vindouros são sempre incertos para quem está no limite...) é um dos diferenciais mais marcantes presentes nas observações de antropólogos e historiadores acerca de comunidades camponesas ou de "colonos", como os nossos do interior de Santa Catarina.

Por outro lado, para as populações urbanas, habitantes de áreas de risco, parece haver o medo de que sua condição instável possa ser agravada por ações do Estado que venham a "aproveitar" o contexto da tragédia para promover certas assepcias sociais. Em nome de mobilizações sociais, já foram condenadas, em vários momentos históricos diferentes, as habitações populares e
moradias precárias em diversas cidades brasileiras. Não custa lembrar que foi depois de uma grande enchente no Rio de Janeiro que o então governador Carlos Lacerda ganhou legitimidade para seu programa de erradicação de favelas em meados da década de 1960, levando pânico às populações dos morros cariocas e criando grandes conglomerados de habitação social em áreas distantes e sem melhores condições sociais (vide a Cidade de Deus).
Abraço".

(Reinaldo Lohn)

"Celso:

Algumas idéias:

Para uma análise minimamente consistente sobre a insistência das pessoas em permanecer em áreas de risco, a primeira coisa que se precisa saber e se elas são habitantes de área urbana ou rural, e em seguida qual e a faixa etária, a inclinação religiosa e mesmo a composição do grupo familiar, caso exista. Isso porque, para alem da constatação de que ninguém abandona de bom grado suas coisas e seu espaço, existem sociabilidades diferentes a considerar, com implicações nada desprezíveis.

Começando pelos habitantes de áreas urbanas, o problema inicial esta em que residências abandonadas são alvos preferenciais para saques e mesmo para alojamento provisório de marginais, o que qualquer um tenta evitar. Mais ainda, em geral a residência significou um investimento financeiro importante e, por vezes, ainda não totalmente quitado, e abandonar a casa representa abrir mão de parte substantiva de um patrimônio conquistado com muito esforço. Por outro lado, existe sempre a possibilidade dos especialistas e das autoridades estarem erradas, do risco não ser tão grande e, sobretudo, da experiência adquirida indicar que em outras épocas chuvosas não aconteceram estragos maiores.

De sua parte, os habitantes de áreas rurais compartilhariam com os habitantes de áreas urbanas desse ultimo pensamento e sentimento, acentuando ainda que, entre eles, existe como que uma espécie de insistência (populações urbanas chamariam isso de "teimosia") na manutenção de praticas rotineiras que se mostraram relevantes com o passar do tempo, o que neste particular acarretaria uma grande resistência a qualquer tipo de mudança brusca e/ou definitiva em suas formas de vida. Alem disso, dependendo da formação e da experiência religiosa, uma calamidade pode ser lida como uma provação por parte do deus, e desafia-lo só traria mais desgraça, acrescida agora de punição pelo desrespeito cometido pelo fiel (embora menos comum, tal reflexão pode igualmente ser encontrada entre residentes de áreas urbanas).

Por fim, e para todos os casos, o componente etário pesa bastante: o que significa para uma pessoa idosa largar de vez um lugar que pode chamar de seu, como diria a musica, que foi difícil de adquirir ou que se habituou a vivenciar?

Espero que ajude. Um grande abraço".

(Luiz Felipe Falcão)

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