O fato novo na recente tragédia das cheias é a obstinada resistência dos moradores em deixar suas casas. Existem vários relatos, inúmeras tragédias. O repórter de O Estado de São Paulo, Júlio Castro, fala em moradores fugindo para as florestas ante a aproximação de militares com seus helicópteros para o resgate. As chuvas continuam, as ameaças de novos deslizamentos também, um deles chegando a ferir um militar no Morro do Baú, segundo a Agência Estado.
Nesse momento, em Blumenau, equipes coordenadas pela Prefeitura iniciam a Operação Esperança visando a desocupação de cerca de 350 casas, a maioria do bairro Progresso, muitas na Itoupava Norte e Fortaleza, entre outros locais. A resistência dos moradores já foi observada em Ilhota, onde o prefeito foi o primeiro a assinar decreto autorizando o uso da força para a retirada de família de áreas de risco. Em Luiz Alves também.
Em Benedito Novo o geólogo Juarês José Aumond e o engenheiro florestal Heverson Thrun, identificaram como áreas de risco as comunidades de Tifa Girelli, Beco Theilacker, Rua Rodeio, Santa Rosa, Rio Ferro, Rio Cunha, Rio Tigre, Rio Fortuna, Travessão do Tigre, Ribeirão dos Russos e Ribeirão das Antas. As famílias que ainda permaneciam em suas casas, foram notificadas que devem se retirar. Muitas permanecem e só vão sair a força. Isso deve ocorrer ainda hoje.
Sambaqui na rede passa a ouvir especialistas e não-especialistas sobre esse fenômeno, ocorrido pela primeira vez, numa dimensão importante, na história recente de Santa Catarina.
"Oi Celso, Esta questão é tão dificil, fico sem palavras, busquei na psicologia para entender a cabeça dessas pessoas. Veja elas não estão em condições de refletir, estão destruídas emocionamente. Fiz este texto, mas para falar a verdade, colocar palavras em terra movediça é perigoso, a reação de cada um a estes desastres é única, mas existe um padrão destrutivo aí: querer retornar.
A vida em primeiro lugar
É compreensível que muitas famílias retornem as suas residências em áreas de risco? No ponto de vista meramente legal, é direito constitucional de cada cidadão brasileiro, o direito de ir, vir, permanecer e ficar. Talvez por isso que as autoridades não possam impedir completamente que as vítimas retornem as suas casas, com exceção dos menores que são tutelados pelo Estado.
Parece uma atitude irracional e atentatória a própria vida, percebida sob o olhar externo a fenômeno social. Esta reação das vítimas é classificada pela Psicologia social dos desastres como uma absorção passiva dos impactos. Isto quer dizer que a comunidade afetada não tem consciência do risco, o que faz aumentar a vulnerabilidade para novos desastres.
Muitos vitimados pelos desastres já devem ter perdido a confiança nas alternativas de restabelecimento de suas comunidades e de suas redes sociais e econômicas e buscam em atitudes desesperadas retomarem o seu cotidiano. As resistências às mudanças refletem muitas faltas (de segurança, de auto-conhecimento da comunidade, de respeito ao limites da Natureza). Estas comunidades sob o efeito traumático da perda e contato direto com a morte e destruição de suas bases simbólicas e materiais estão sem capacidade de fazer uma reflexão auto-crítica de seu futuro, buscam suas referências antigas, porque não conseguem lidar com as perdas.
Hoje, assistimos a uma grande mobilização solidária e cooperação com os desabrigados, mas e daqui a alguns meses como estará a vida destas pessoas? Se as áreas de risco forem novamente ocupadas, a vida estará ameaçada – é importante lembrar: nosso primeiro bem e direito primordial."
Fabiana Comerlato (Arqueóloga - MAE/UFBA)
Memórias da vida
"Ouvi que uma família previamente salva dos escombros voltou para a casa arrasada e acabou morrendo em um novo deslizamento de terra. Na hora pensei: 'Mas o quê estes caras tinham na cabeça?.
Agora, analisando friamente o episódio, mais um desta calamidade toda que desceu sobre Santa Catarina, envergonho-me e refaço meu pensamento. "É muito fácil falar. Mas quem saberia como reagir em um evento como este?". É mais do que óbvia a necessidade de sair das áreas de risco. Me parece correta a decisão de usar força policial para impedir que os desalojados tentem voltar para os locais onde correrão risco de morte novamente.
Mas será que eu não faria a mesma coisa? Quem consegue imaginar o que se passa na cabeça de um cidadão que perdeu tudo? Que perdeu pessoas da família? Será que a chance de resgatar um móvel, uma peça de roupa, um álbum de fotografias, com os registros impressos, as memórias de toda uma vida, não vale o risco? Será que, sob tamanha pressão psicológica e física alguém vê risco em um ato desesperado?
A única certeza que tenho é que, para quem está, como nós, confortavelmente instalado e distante da tragédia, é muito fácil falar".
Alessandro Bonassoli (Jornalista)
Nesse momento, em Blumenau, equipes coordenadas pela Prefeitura iniciam a Operação Esperança visando a desocupação de cerca de 350 casas, a maioria do bairro Progresso, muitas na Itoupava Norte e Fortaleza, entre outros locais. A resistência dos moradores já foi observada em Ilhota, onde o prefeito foi o primeiro a assinar decreto autorizando o uso da força para a retirada de família de áreas de risco. Em Luiz Alves também.
Em Benedito Novo o geólogo Juarês José Aumond e o engenheiro florestal Heverson Thrun, identificaram como áreas de risco as comunidades de Tifa Girelli, Beco Theilacker, Rua Rodeio, Santa Rosa, Rio Ferro, Rio Cunha, Rio Tigre, Rio Fortuna, Travessão do Tigre, Ribeirão dos Russos e Ribeirão das Antas. As famílias que ainda permaneciam em suas casas, foram notificadas que devem se retirar. Muitas permanecem e só vão sair a força. Isso deve ocorrer ainda hoje.
Sambaqui na rede passa a ouvir especialistas e não-especialistas sobre esse fenômeno, ocorrido pela primeira vez, numa dimensão importante, na história recente de Santa Catarina.
"Oi Celso, Esta questão é tão dificil, fico sem palavras, busquei na psicologia para entender a cabeça dessas pessoas. Veja elas não estão em condições de refletir, estão destruídas emocionamente. Fiz este texto, mas para falar a verdade, colocar palavras em terra movediça é perigoso, a reação de cada um a estes desastres é única, mas existe um padrão destrutivo aí: querer retornar.
A vida em primeiro lugar
É compreensível que muitas famílias retornem as suas residências em áreas de risco? No ponto de vista meramente legal, é direito constitucional de cada cidadão brasileiro, o direito de ir, vir, permanecer e ficar. Talvez por isso que as autoridades não possam impedir completamente que as vítimas retornem as suas casas, com exceção dos menores que são tutelados pelo Estado.
Parece uma atitude irracional e atentatória a própria vida, percebida sob o olhar externo a fenômeno social. Esta reação das vítimas é classificada pela Psicologia social dos desastres como uma absorção passiva dos impactos. Isto quer dizer que a comunidade afetada não tem consciência do risco, o que faz aumentar a vulnerabilidade para novos desastres.
Muitos vitimados pelos desastres já devem ter perdido a confiança nas alternativas de restabelecimento de suas comunidades e de suas redes sociais e econômicas e buscam em atitudes desesperadas retomarem o seu cotidiano. As resistências às mudanças refletem muitas faltas (de segurança, de auto-conhecimento da comunidade, de respeito ao limites da Natureza). Estas comunidades sob o efeito traumático da perda e contato direto com a morte e destruição de suas bases simbólicas e materiais estão sem capacidade de fazer uma reflexão auto-crítica de seu futuro, buscam suas referências antigas, porque não conseguem lidar com as perdas.
Hoje, assistimos a uma grande mobilização solidária e cooperação com os desabrigados, mas e daqui a alguns meses como estará a vida destas pessoas? Se as áreas de risco forem novamente ocupadas, a vida estará ameaçada – é importante lembrar: nosso primeiro bem e direito primordial."
Fabiana Comerlato (Arqueóloga - MAE/UFBA)
Memórias da vida
"Ouvi que uma família previamente salva dos escombros voltou para a casa arrasada e acabou morrendo em um novo deslizamento de terra. Na hora pensei: 'Mas o quê estes caras tinham na cabeça?.
Agora, analisando friamente o episódio, mais um desta calamidade toda que desceu sobre Santa Catarina, envergonho-me e refaço meu pensamento. "É muito fácil falar. Mas quem saberia como reagir em um evento como este?". É mais do que óbvia a necessidade de sair das áreas de risco. Me parece correta a decisão de usar força policial para impedir que os desalojados tentem voltar para os locais onde correrão risco de morte novamente.
Mas será que eu não faria a mesma coisa? Quem consegue imaginar o que se passa na cabeça de um cidadão que perdeu tudo? Que perdeu pessoas da família? Será que a chance de resgatar um móvel, uma peça de roupa, um álbum de fotografias, com os registros impressos, as memórias de toda uma vida, não vale o risco? Será que, sob tamanha pressão psicológica e física alguém vê risco em um ato desesperado?
A única certeza que tenho é que, para quem está, como nós, confortavelmente instalado e distante da tragédia, é muito fácil falar".
Alessandro Bonassoli (Jornalista)
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