31 de dez. de 2008

Medo de escrever

Litografia de Joaquim Margarida. Jornal "O Moleque".
(Desterro/Florianópolis. Dezembro de 1883)
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina.


Caríssimas e Especiais Amigas, Diletos e Fraternos Amigos,
Imagino algo mais ou menos assim para todos nós nesse ano que começa daqui a pouco, olhem: um estupendo 2009, cheio de letras e, se possível, de muitas cifras (que também não fazem mal a ninguém...). De coração, sinceramente,
Amilcar Neves.


Medo de escrever

Até o fim deste dezembro, sempre que te metes a escrever e publicar os teus textos corres dois riscos sérios e consideráveis. O primeiro é de não gostarem do teu trabalho, pela forma ou pelo conteúdo, e saírem te desancando o pau. Dizerem que não tens estilo nem elegância, que tuas idéias, opa!, tuas ideias são tortas e absurdas, que tua redação é prolixa e confusa a ponto de não se entender o que queres dizer.

O segundo risco que corres - cada vez mais uma certeza - é de não gostarem do teu trabalho pelas revelações que ali fazes, pelas verdades que lá dizes ou pelas suposições equivocadas que dele extraem e te lascarem processos judiciais exigindo indenizações por danos morais e à personalidade sofridos pelo queixoso e um antepassado seu, já finado, pouco importando quanto tempo haja passado desde os fatos documentados que narras.

Cada vez mais há juízes que acolhem tais ações e condenam, conforme o requerido, o autor da página vil, difamante, infamante.

A partir de janeiro, no entanto, um terceiro risco passa a assombrar tuas veleidades de escritor. Igualmente sério e considerável como os outros - que permanecem ativos! -, poderás ser indigitado em praça pública como um ser desprezível que se mete a escrever sem dominar minimamente seu instrumento de trabalho, a Língua Portuguesa. Já pensaste que vergonha?

A nova reforma ortográfica do idioma - mais uma - vai entrando em vigor durante quatro anos, a contar do dia 1o.

Aliás, se é para tirar os acentos, por que não suprimi-los todos de uma vez e ficarmos parecidos com o inglês, isto é, impossibilitados de pronunciar corretamente qualquer palavra que jamais tenhamos escutado?

Ademais, já que mexemos na língua, por que não obrigar o uso da regrinha básica que diz: "eu é a pessoa que fala, tu, com quem se fala e ele, de quem se fala"? Vale para os plurais, claro. Acaba-se assim com o terrível você vai e o pior ainda tu vai.

De minha parte, tremem-me as mãos pelo fato lastimável de não mais me ser permitido o emprego conseqüente do trema (este o último que me sai da pena - escrevo à mão), esse sinal tão nobre e distinto que nórdicos e franceses usam com imensa galhardia.

O medo de escrever que me toma o espírito agiganta-se precisamente com esta crônica, a sair com as datas de 31 de dezembro, quartafeira (ou esta grafia só pode ser usada na quinta-feira?), e 1o de janeiro.

(Amilcar Neves, escritor)

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