Conversa em dia
Por Amilcar Neves
Fim de aula, fim de verão, início, portanto, de ano letivo (na verdade, fim apenas da temporada de verão, porque o verão mesmo, este, ao que fazem crer o ar abafado, as temperaturas elevadas e os temporais de final de tarde, agora é que está começando para valer). As três jovens mães, K, W e Y, encontram-se no pátio da escola, cada qual com seu filhinho adorado, com sua amada filhinha.
Elas se chamam assim, K, W e Y, em homenagem às três novas letras do alfabeto português, tão novas quanto jovens elas são - letras oficialmente incorporadas ao nosso vernáculo pela mais recente reforma ortográfica do idioma mas que, feito contrabando, já desfilavam por aí há muito tempo, abertamente, desinibidas, sem qualquer constrangimento e sem maiores cuidados. Destinadas exclusivamente a nomes próprios de origem estrangeira (as três jovens mães também apreciam mirar-se e pautar-se pelo que vem de fora: preconceito só existe nos Estados Unidos, miséria só na África, desemprego só na Ásia, intolerância só na Europa, corrupção só em Brasília) e seus derivados diretos, no entanto não cansamos de escrever, e falar em, shows, replays e skates. Por exemplo.
Amigas unidas pela escola comum dos filhos, fazia, pois, muito tempo que não se viam. Desde a última vez, houve um Natal, um final de ano, férias, um verão inteiro, viagens internacionais, um Carnaval, muitos casos acontecidos com elas ou dos quais bastante ouviram de fonte segura, separações e novos casamentos, celulares de última geração. Juntam-se numa conversa sem fim perto dos carros, debaixo da pequena goiabeira carregada de frutos ainda verdes.
As crianças correm e cansam de correr. Obviamente, decidem então brincar de guerra, de atingir os outros, do mal, para eliminá-los (de brincadeirinha, claro). A munição, farta, pende dos galhos da arvorezinha. Vez ou outra um projétil raspa uma das jovens mães que, no piloto automático, repreende (?) sem olhar o atirador, "ô, menino, para com isso" (para do verbo parar) e o papo prossegue animado.
Ao cabo, ao chamado de um dos celulares, arrebanham os garotos com suas coisas e entram em seus carros do ano. Atrás delas, o chão resta forrado de goiabas verdes.
A nenhuma das três ocorreu de impedir a destruição e chamar a atenção do filho pela agressão gratuita à natureza. Com certeza, K, W e Y acreditam que não é isso que vai mudar o mundo.
Elas se chamam assim, K, W e Y, em homenagem às três novas letras do alfabeto português, tão novas quanto jovens elas são - letras oficialmente incorporadas ao nosso vernáculo pela mais recente reforma ortográfica do idioma mas que, feito contrabando, já desfilavam por aí há muito tempo, abertamente, desinibidas, sem qualquer constrangimento e sem maiores cuidados. Destinadas exclusivamente a nomes próprios de origem estrangeira (as três jovens mães também apreciam mirar-se e pautar-se pelo que vem de fora: preconceito só existe nos Estados Unidos, miséria só na África, desemprego só na Ásia, intolerância só na Europa, corrupção só em Brasília) e seus derivados diretos, no entanto não cansamos de escrever, e falar em, shows, replays e skates. Por exemplo.
Amigas unidas pela escola comum dos filhos, fazia, pois, muito tempo que não se viam. Desde a última vez, houve um Natal, um final de ano, férias, um verão inteiro, viagens internacionais, um Carnaval, muitos casos acontecidos com elas ou dos quais bastante ouviram de fonte segura, separações e novos casamentos, celulares de última geração. Juntam-se numa conversa sem fim perto dos carros, debaixo da pequena goiabeira carregada de frutos ainda verdes.
As crianças correm e cansam de correr. Obviamente, decidem então brincar de guerra, de atingir os outros, do mal, para eliminá-los (de brincadeirinha, claro). A munição, farta, pende dos galhos da arvorezinha. Vez ou outra um projétil raspa uma das jovens mães que, no piloto automático, repreende (?) sem olhar o atirador, "ô, menino, para com isso" (para do verbo parar) e o papo prossegue animado.
Ao cabo, ao chamado de um dos celulares, arrebanham os garotos com suas coisas e entram em seus carros do ano. Atrás delas, o chão resta forrado de goiabas verdes.
A nenhuma das três ocorreu de impedir a destruição e chamar a atenção do filho pela agressão gratuita à natureza. Com certeza, K, W e Y acreditam que não é isso que vai mudar o mundo.
Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (4.3.2009) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC).
Crônica publicada na edição de hoje (4.3.2009) do jornal Diário Catarinense (Florianópolis-SC).
AVISO
O Sambaqui na rede precisa se mudar - a hospedagem atual está quase lotada, restando 10% de espaço disponível. A alteração é pequena, com o acréscimo de um número "2" no endereço.
http://sambaquinarede2.blogspot.com/
O Sambaqui na rede precisa se mudar - a hospedagem atual está quase lotada, restando 10% de espaço disponível. A alteração é pequena, com o acréscimo de um número "2" no endereço.
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