2 de mai. de 2009

Da série Filosofias do Ralo da Pia:
DE LOIRAS E MORENAS
As amazônicas dimensões dos egos globais


Por Raul Longo*


Eu não sou artista. Artista é quem cria. Sou apenas um interprete, um ator.

Morgan Freeman (Oscar em “Menina de Ouro”, além de diversas indicações e premiações internacionais) em visita ao Brasil e ao ser interpelado sobre sua carreira por um repórter da TV Globo.


Amigos e vizinhos: bate-papo, birinaites e tira-gosto. “Experimenta disso, prova daquilo”. Dia seguinte: pia cheia de louças por lavar.

Na TV, companheira dessas horas, a Ana Maria Braga! E até que a loira foi muito instrutiva, comentando anterior depoimento de Cristiane Torloni ao seu programa.

“La Braga” – pra usar a terminologia de um seu colega local – pede a reprise da gravação em VT.

Pasmem! – ao menos os pires e pratinhos ficaram pasmados, rígidos! – Não mais a dondoca estafada do “Cansei!” (aquele movimento da elite entediada de algum tempo atrás). Agora é uma Torloni mais madura, talvez mais gasta ou dramática.

Não sei qual das maquiagens merece o “Oscar” da categoria (se é que existe)! Ou conseguiram remoçar e embelezar a Torloni antes, ou obtiveram um impressionante depauperamento físico nesta nova atuação na série.

Essa era uma Torloni macilenta, alquebrada, parecendo ter acabado de render num só dia a cada soldado que lava as louças e panelas das pias de todos os quartéis do II Exército. Uma Torloni cansada de guerra, cabisbaixa, humilhada. Resignada à trágica situação de não ser atendida pelo presidente em sequer 20 minutos de audiência, conforme relata em voz soturna, amargurada, contando do abaixo-assinado contra o desmatamento da Amazônia para o qual levantara mil assinaturas.

“- Agora, mil e CEM!” – corrige-se a desolada e alquebrada Torloni, avisando com seus últimos resquícios de força combativa que no decorrer deste um ano de negativas presidenciais, a lista acresceu-se de 100 assinaturas.

Até os cálices ficaram preocupados, calculando que se o Presidente só a receber daqui há 10 anos mais, serão aproximadamente 2 mil assinaturas.

Torloni não pareceu se iludir com a possibilidade de mil assinaturas a mais ou a menos comoverem o Presidente, mas meus pires pareceram desconfiar de que ela não esteja informada de que daqui há 2 anos o Presidente não ocupará mais o cargo.

No entanto, o que certamente revoltou facas, garfinhos e colheres da pia; foi ninguém ter avisado à moça, ao longo desses 10 anos em que andou de lá pra cá colhendo assinaturas, de que desde 2004 o governo brasileiro vem sendo felicitado pela comunidade mundial das nações, exatamente pela redução do desmatamento amazônico.

Judiação fazerem uma coisa dessas com a coitada! Pura maldade, pois todo mundo sabe que o assunto já foi até capa de revistas em praticamente todos os países do hemisfério norte e não apenas nas publicações especializadas.

Inclusive, quando a Ministra Marina Silva passou o cargo para o Carlos Minc, a imprensa internacional e os líderes das principais potências declararam-se muito preocupados com a manutenção das medidas preservacionistas na Amazônia, iniciadas por Marina já no início do governo Lula, em 2003.

A chanceler Ângela Merkel, por exemplo, coincidentemente em visita ao Brasil na mesma data da transferência da pasta, ameaçou não continuar importando determinados produtos brasileiros se a preservação da Amazônia não se mantivesse com a mesma determinação que tornou Marina Silva alvo de diversas distinções e homenagens internacionais.

Sem dúvida as ações de Carlos Minc contra o desmatamento foram aprovadas pelos alemães, pois Merkel só fez aumentar a importação do que produzimos. Mas o que realmente Torloni não teria como imaginar é que ainda no dia anterior (28/04), enquanto aguardava os amigos, assisti ao correspondente do Jornal Nacional na emissora concorrente: a BAND do agro-pecuarista João Saad.

Ali a reclamação já era exatamente inversa a do abaixo-assinado da Torloni, com diversos agro-empresários afirmando que as diretrizes preservacionistas adotadas pelo atual governo, inviabilizam a atividade naqueles estados por impedir a derrubada de matas.

Ainda que sem os mesmos recursos dramatúrgicos, estavam igualmente desolados e muitos anunciaram já terem abandonado a região, embora para meus céticos pratinhos de sobremesa tenham sido tão pouco convincentes quanto a afamada atriz. O clima de desconsolo era tamanho que me obrigou a explicar que as exportações brasileiras não mais se concentram apenas a um mercado, os Estados Unidos, nem se restringem apenas ao setor agropecuarista como quando nos destacávamos pela arroba da carne mais barata do mundo e da soja mais em conta do mercado internacional.

Acontece que antes não se computava aí os altos custos sociais e ambientais com os quais arcávamos sozinhos por desesperadamente termos de exportar alguma coisa, para pagar ao menos os juros da dívida externa. Pagou-se a dívida, recuperou-se e incrementou-se a produção de industrializados e se abriu novos mercados, além de, com o resgate da situação de risco do país, se atrair capitais externos por outras vias de investimentos.

Agora sim se pode arrumar a casa, além de não se prejudicar os camponeses europeus que viviam em pé de guerra com seus governos por preteri-los em preferência aos baixos custos da produção agro-pastoril brasileira, financiada pelo trabalho escravo ou o irrisório salário mínimo com que aqui se operava. Afora os descasos ambientais.

Com o aumento do salário, o permanente e constante combate a prática do escravismo, a melhoria da distribuição de renda, e a ampliação do consumo interno de alimentos, por incrível que pareça se debelou também os conflitos daqueles países que, como na França, chegaram a ficar muito sérios.


Os tantos copos e cálices não puderam crer nas relações hemisféricas dos interesses dos trabalhadores, nem tentei fazê-los lembrar do líder campesino francês, apelidado de Asterix, que participou do Fórum Mundial de Porto Alegre, mas talvez tenham conseguido entender porque Joelmir Betting, apresentador do jornal da BAND, tanto se esforçou por desmerecer e ironizar as viagens do Presidente Lula.

Claro! Joelmir que não é nenhum deslumbrado nem global, sabia muito bem que o Presidente não estava apenas fazendo turismo e, ao viajar da Europa à África, da nossa América Latina à Ásia, buscava por novos mercados. E sabia muito bem que se os encontrasse (como encontrou) se reduziria a importância do agro-negócio predatório a ponto de impedir a ampliação do desmatamento amazônico.

Preocupado com a revolta das facas e facões, expliquei que o Joelmir não é a favor do desmatamento, mas para defendê-lo ganha tanto quanto a Torloni combatendo. Pouco mais ou pouco menos.

Provavelmente alguma xícara ou colher ciumenta tenha duvidado de que a Torloni queira de fato combater alguma coisa, mas de toda forma a “artista” deveria imitar o Joelmir e assessorar melhor seu patrão, demonstrando que esse negócio de defesa da Amazônia além de não ter mais sentido, pois a Amazônia nunca foi tão defendida por governo algum quanto está sendo agora; já ficou troço muito manjado. Todo mundo que não tem mais o que falar do governo, vem com a mesma conversa de combater o desmatamento da Amazônia!

Nada mais fácil! Afinal ninguém vai pra Amazônia, nem sabe como é lá, como se vive e se mantém o povo da Amazônia na eterna guerra contra os grileiros e madeireiros que assassinam até missionárias estrangeiras.

Aí me faz lembrar um verso de antiga música do Billy Blanco, que é do Pará, mas quando a moda era protestar pelas vítimas da seca. O verso dizia assim: “tem soluções para o nordeste, mas não quer sair daqui. É contra o imperialismo, mas só usa calça Lee... Garoto Paysandu, garoto genial. O orgulho da Indústria Nacional! ”

Fui cantando para as louças enquanto cogitava que se ao invés de abaixo-assinados, a Torloni levasse seu exército de mil abaixo-assinados em defesa da Amazônia para exigir a condenação dos assassinos da Madre Dorothy, dos Sem Terras de Carajás... Para ajudar seringueiros, lavradores e silvícolas a enfrentar os pistoleiros e jagunços do agro-negócio, sem dúvida criariam uma reserva muito maior do que a Raposa do Sol. E, todos importantes que certamente são, em bem menos tempo do que os 7 anos que levou o governo Lula que ainda precisa de apoio para manter a segurança ambiental e humana em Roraima.

Tanto precisa que na carta do assessor do Presidente ao programa, lida pela Ana Maria Braga após a reprise do chorarê da Torloni, se explica que seria muito importante enviar o tal abaixo assinado para o Congresso Nacional, conforme afirmou o próprio Presidente à atriz, quando a recebeu em São Paulo interrompendo encontro com o “- Ministro Mantega Unger” – errou a loura: “- Mangabeira Unger” – corrigiu o louro (anotei as diferenças de conteúdo apesar das semelhanças ortográficas, mas não estou certo de as louças terem percebido o que há por trás do tal padrão Globo de qualidade), e a presidente da Argentina: Cristina Kirchner.

O presidente até interrompeu o compromisso, mas a morena, por compreensível deslize, naquele dia esquecera o documento em casa. No entanto, vejam bem: o que são compromissos de Ministros e Presidentes perante uma estrela global? E La Torloni quer porque quer uma audiência exclusiva no gabinete do presidente pra entrega dos raios das mil assinaturas.

Mil e cem! Por enquanto!

Pareceu-me que até as louças sentiram um mal estar, mas foi a Ana Maria Braga quem salvou a situação com uma idéia genial e muito providencial, até porque desde que o Presidente Lula afirmou que nunca viu negro ou índio comandando instituição financeira nem provocando crise internacional, aquele negócio de fazer piada com loiras virou racismo. Pois a loira sugeriu à morena Torloni que, realmente, conforme aconselhado pela carta do assessor, não se faz preciso conseguir audiência na apertada agência presidencial, bastando enviar o tão rico e substancioso documento pelo correio mesmo.

E pronto!

Pronto! Acabei de lavar a louça. E se alguma se achar muito porcelana, algum copo de requeijão se meter a cristal fino, qualquer caneca dar uma de samovar, vai é pro lixo! Não tenho cristaleira nem tempo a perder com meias-tigelinhas metidas a peças de fina baixela!

Quero mais é que se quebrem e catem os próprios cacos, que já não tenho mais saco pra tanta louça de quinta categoria se metendo a besta na bagunça dessa cozinha!

* Raul Longo (jornalista, residente em Sambaqui). Contato: pousopoesia@ig.com.br

Ilustrações: Gallo Sépia

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