CONTO
Breve e redundante história em duas gerações
Raul Longo
BERLIM – início de uma tarde em 1953:
Chegou da escola e correu ao colo do pai. Em meio ao beijo e abraço, a menina perguntou ingênua:
- Papai, você foi nazista?
Na lassidão dos braços, no aperto da voz demorada, ouviu triste história sobre crianças famintas, sedentas e assassinadas. Ouviu pela primeira vez as palavras genocídio e barbárie.
Ouviu dizer de vergonha e arrependimento. Covardia e consciência. Perdão e peso. Tentou imaginar quanto tempo seria o nunca mais. Quis entender porque teria de ser forte para suportar as acusações do mundo, se apenas fizera uma pergunta. Prometeu nunca acreditar em preconceitos sem sequer saber o que era, mas já se arrependia, ali, daquela pergunta que nem imaginara conter tantas lágrimas, tanta dor e medo do futuro.
No futuro, pode melhor compreender a vergonha das acusações e do mundo, e também se horrorizou com a história. Difícil foi o esforço tamanho para perdoar sua própria gente.
Talvez por esse mesmo esforço, ou para, até em segredo de si, compensar o erro que não fora seu... Mas também possível que, talvez, apenas pelo acaso fortuito das sempre imprevisibilidades do amor e do futuro, acabou se apaixonando e se converteu para casar.
Mudou o nome, aceitando o batismo da nova religião. Mudou-se de cidade e país. Assimilou nova nacionalidade e lutou pelas certezas em seu governo e o que passou a ter como sua gente.
E esqueceu.
TEL-AVIV - início de uma noite de 2013
O menino chegou da escola e como sempre correu ao colo da avó. Em meio ao abraço e o beijo para aspirar o perfume delicado da elegante senhora de meia-idade, perguntou:
- Vovó! Você foi sionista?
Imprimindo maior aberto no abraço, em sua memória os anos retrocederam a um início de tarde distante no tempo e no norte. Lembrou-se.
Não pode mais falar, e o menino ficou sem entender a vergonha e a dor em ingênua pergunta que tanto fez a avó chorar.
Breve e redundante história em duas gerações
Raul Longo
BERLIM – início de uma tarde em 1953:
Chegou da escola e correu ao colo do pai. Em meio ao beijo e abraço, a menina perguntou ingênua:
- Papai, você foi nazista?
Na lassidão dos braços, no aperto da voz demorada, ouviu triste história sobre crianças famintas, sedentas e assassinadas. Ouviu pela primeira vez as palavras genocídio e barbárie.
Ouviu dizer de vergonha e arrependimento. Covardia e consciência. Perdão e peso. Tentou imaginar quanto tempo seria o nunca mais. Quis entender porque teria de ser forte para suportar as acusações do mundo, se apenas fizera uma pergunta. Prometeu nunca acreditar em preconceitos sem sequer saber o que era, mas já se arrependia, ali, daquela pergunta que nem imaginara conter tantas lágrimas, tanta dor e medo do futuro.
No futuro, pode melhor compreender a vergonha das acusações e do mundo, e também se horrorizou com a história. Difícil foi o esforço tamanho para perdoar sua própria gente.
Talvez por esse mesmo esforço, ou para, até em segredo de si, compensar o erro que não fora seu... Mas também possível que, talvez, apenas pelo acaso fortuito das sempre imprevisibilidades do amor e do futuro, acabou se apaixonando e se converteu para casar.
Mudou o nome, aceitando o batismo da nova religião. Mudou-se de cidade e país. Assimilou nova nacionalidade e lutou pelas certezas em seu governo e o que passou a ter como sua gente.
E esqueceu.
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Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
pousopoesia@gmail.com
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
88.051-001 - Floripa/SC
Tel: (48) 3206-0047
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POEMA
Eu sou de lá (*)
Mahmoud Darwich
Eu venho de lá e recordo
que nasci como todo mundo nasce, tenho uma mãe
e uma casa com muitas janelas,
tenho irmãos, amigos e uma prisão.
Tenho uma onda marinha que a gaivota arrebatou
tenho uma visão de mim mesmo e uma folha de capim
tenho uma lua passada no auge das palavras
tenho uma comida divina de pássaros e uma oliveira
além da quilha do tempo
atravessei a terra antes que espadas tornassem
os corpos banquetes.
Eu venho dali.
Eu faço o céu retornar à sua mãe
quando por sua mãe o céu chorar,
e eu choro querendo o retorno de uma nuvem
para me conhecer.
Eu aprendi as palavras de tribunais manchados de sangue
de forma a quebrar as regras.
Eu aprendi e desmantelei todas as palavras
para construir uma única: Lar.
(*) Poema enviado pelo escritor catarinense Emanuel Medeiros Vieira, residente em Brasília.
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