29 de jan. de 2009

As reformas de 2009 (*)

Por Amilcar Neves

Detalhe de edificação em Sambaqui (Florianópolis-SC).

Este ano de 2009 promete. Começou com a reforma ortográfica da língua portuguesa já no dia 1o de janeiro. Dizem que, com ela, meus livros serão vendidos sem impedimentos nem dificuldades de leitura no Timor Leste. Agora poderei enfim competir com Saramago em pé de igualdade na África e mesmo na metrópole.

Esboça reformas, este ano, na postura do governo dos Estados Unidos a partir do dia 20, com a aposentadoria compulsória (por quanto tempo? até a eleição para presidente do país de um novo candidato do Partido Republicano?) da arrogância tenebrosa que marcou a sinistra - embora de direita fundamentalista - era Bush. Obama anuncia o fim da imposição pela força da vontade e dos interesses dos EUA nas relações com o resto do mundo; falta saber o que pensa disso o front doméstico, cioso na hora de pedir dinheiro ao governo e, nos momentos de crise que ele mesmo provoca, poderoso na defesa de seus lucros e privilégios.

A crise financeira de 2008, aliás, pode ser o sinal de que outra mudança precisa começar a acontecer este ano: a reforma do atual modelo capitalista que vê no ser humano nada mais do que mera força de trabalho barata ou simplesmente o comprador final, elo derradeiro da cadeia que viabiliza o lucro. Num caso como noutro, peça descartável quando deixa de cumprir qualquer dos dois papéis que lhe são atribuídos, de mão de obra ou de consumidor, ainda que assim aconteça por ter sido demitido pelo mesmo sistema à menor suspeita de eventual redução nos ganhos. No Brasil, por eloquente exemplo, a indústria nacional quer facilidades e incentivos públicos (com dinheiro do povo) sem assumir qualquer compromisso com a manutenção de empregos (isto é, com o salário desse mesmo povo). "É uma indecência, uma imoralidade o governo querer exigir tal contrapartida absurda!", bradam seus líderes.

Indecências e imoralidades podem estar sendo tramadas em outras reformas que, em 2009, visam atingir mais ainda nossa atividade cultural. Suspeita-se que, por aqui, já se tenha decretado que a Cultura é auto-suficiente, auto-sustentável e que caberá apenas ao Mercado determinar como ela se desenvolverá - caso seja mesmo necessário haver algum tipo de desenvolvimento cultural. Com isso, nossos iluminados governantes podem tirá-la de suas preocupações (?) para se dedicar ao que verdadeiramente importa (para eles): a próxima eleição.


(*) Crônica publicada no jornal Diário Catarinense de 28.1.2009.
Republicada no Sambaqui da rede autorização do autor.

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