Audácia, o documentário
Operação Barriga Verde na tela
Operação Barriga Verde na tela
Investida da ditadura levou 42 catarinenses à prisão
em 1975, acusados de tentar reorganizar o PCB.
em 1975, acusados de tentar reorganizar o PCB.

- Aqui é o Francisco Pereira, filho do Chico Pereira, disse uma voz ao telefone.
- Pois não!
- Estou fazendo um documentário que fala da Operação Barriga Verde e gostaria de falar contigo, explicou.
Alguns dias depois ele apareceu se apresentando como Francisco.
- Francisco? Mas as pessoas te chamam de Francisco ou de Chico?
- Chico, pode ser...
E foi assim que conheci o cineasta Chico Pereira, mesmo nome e apelido do pai, o escritor, contista de mão-cheia, dono da editora Garapuvu, ex-militante do PCB, preso em 1964, exilado. O filho, acompanhado da mãe e dos irmãos, viveu em diversos continentes até o retorno da família ao Brasil depois da anistia em 1979.
A partir desse primeiro contato pude conhecer melhor o filho do velho Chico que residia em São Paulo e de quem apenas ouvira falar. Dotado de grande perspicácia, atento, do tipo que sabe ouvir (e ouve), despido de preconceitos (pelo menos aqueles mais berrantes e vulgares, não os incrustados na visão de mundo ocidental judaico-cristã) e movido por uma enorme força de vontade de fazer as coisas. É também cuidadoso, meticuloso, sempre elaborando coisas, raciocinando, numa permanente ruminância mental, próprio dos que não estão nesse mundo apenas para encher a barriga. [Não existe a expressão ruminância, ainda mais com circunflexo, mas vocês sabem do que estou falando né!]
O interesse do Chico Pereira se devia ao meu livro “Os quatro cantos do Sol: Operação Barriga Verde” (Florianópolis: EdUFSC; Editora Boiteux, 2007). Ele descobrira o trabalho depois de tomar conhecimento, numa obra do escritor Edmundo Bastos Júnior, dos fatos ocorridos com o capitão PM Nelson Coelho. “Vou centrar o documentário na Colônia Penal Agrícola de Canasvieiras. Não é um documentário sobre a história da Operação”, disse. O referido capitão, encarregado da Colônia Penal onde estavam alguns dos 42 presos da Operação Barriga Verde, acabou respondendo um IPM sob a acusação de dar muita liberdade aos presos.
É isso mesmo. Eu fui um dos que esteve em visita à Colônia Penal de Canasvieiras. Fui visitar meu antigo professor de Física do Colégio da Aplicação da UFSC, o falecido Marcos Cardoso Filho, grande amigo, assim como Cirineu Martins (esse Martins é o mesmo meu) Cardoso, grande
poeta, e Alécio Verzola, sobrevivente daqueles tempos e meu vizinho aqui no Sambaqui. Numa dessas visitas pude saborear um porco assado no rolete, inteiro, trazido de Criciúma por parentes do também falecido Jorge Feliciano (que Deus o tenha!). Em outra ocasião, acompanhei Cirineu e Alécio, desde a Colônia, até um armazém na praia de Canasvieiras, onde compramos... Bem, compramos umas garrafas de cachaça, açúcar e limão.
Na Colônia era mais ou menos assim. Os policiais militares que faziam a guarda sabiam que estavam tratando com presos políticos, muitos deles seus conhecidos ou conhecidos em toda a cidade. Os detidos aguardavam a sentença de uma hora para outra, avaliando que a fuga não valia a pena. Desse modo, a guarda relaxou e os presos trataram de tirar o melhor proveito possível das circunstâncias. Numa noite, um oficial do serviço secreto da PM fez uma incerta, como se diz: apareceu repentinamente na Colônia e reparou a falta de dois ou três que não estavam em suas celas – na verdade no alojamento.
Isso levou à prisão do capitão Coelho e seu indiciamento. “Devido à falta de relações sexuais eles estavam com dores nos testículos, por isso deixei que fossem passar a noite em suas casas”, justificou mais ou menos assim no IPM o oficial, conforme me relatou numa conversa o coronel Edmundo Bastos Júnior. São aspectos como esses e os dramas pessoais dos presos que estão sendo tratados no documentário.
O passo seguinte do Chico Pereira (filho) foi me chamar para atuar como uma espécie de consultor (ele deu um nome pomposo, não recordo qual, para a tarefa). Dessa forma, passamos a ter contatos diários, pessoalmente, por telefone ou e-mail, discutindo as fontes, cenários para as locações, enfoques e até mesmo os profissionais a ser mobilizados. Edson Luis (Velho Bruxo), Marcelo Dias e outros foram aparecendo, como o repórter-cinematográfico Marco Antônio Nascimento, que assumiu a direção de fotografia.
As gravações ocorreram no início desse mês de janeiro, realizadas sobretudo na fortaleza de São José da Ponta Grossa e numa residência feita com materiais reciclados no Canto do Moreira (Ratones) e outros locais. Ao todo foram entrevistados 35 pessoas, ex-presos, parentes, amigos e também o lado oficial: carceireiros e policiais. As 30 horas de gravações começam agora a ser trabalhadas rumo ao produto final – um documentário de 52 minutos cujos detalhes podem ser conferidos no blog Audácia. Independente de qual seja o resultado, ficou o saldo de uma sincera amizade, o respeito mútuo e um horizonte de realizações conjuntas.
Fortaleza de São José da Ponta Grossa (Florianópolis-SC), 
um dos cenários usados no documentário Audácia.
- Pois não!
- Estou fazendo um documentário que fala da Operação Barriga Verde e gostaria de falar contigo, explicou.
Alguns dias depois ele apareceu se apresentando como Francisco.
- Francisco? Mas as pessoas te chamam de Francisco ou de Chico?
- Chico, pode ser...
E foi assim que conheci o cineasta Chico Pereira, mesmo nome e apelido do pai, o escritor, contista de mão-cheia, dono da editora Garapuvu, ex-militante do PCB, preso em 1964, exilado. O filho, acompanhado da mãe e dos irmãos, viveu em diversos continentes até o retorno da família ao Brasil depois da anistia em 1979.
A partir desse primeiro contato pude conhecer melhor o filho do velho Chico que residia em São Paulo e de quem apenas ouvira falar. Dotado de grande perspicácia, atento, do tipo que sabe ouvir (e ouve), despido de preconceitos (pelo menos aqueles mais berrantes e vulgares, não os incrustados na visão de mundo ocidental judaico-cristã) e movido por uma enorme força de vontade de fazer as coisas. É também cuidadoso, meticuloso, sempre elaborando coisas, raciocinando, numa permanente ruminância mental, próprio dos que não estão nesse mundo apenas para encher a barriga. [Não existe a expressão ruminância, ainda mais com circunflexo, mas vocês sabem do que estou falando né!]
O interesse do Chico Pereira se devia ao meu livro “Os quatro cantos do Sol: Operação Barriga Verde” (Florianópolis: EdUFSC; Editora Boiteux, 2007). Ele descobrira o trabalho depois de tomar conhecimento, numa obra do escritor Edmundo Bastos Júnior, dos fatos ocorridos com o capitão PM Nelson Coelho. “Vou centrar o documentário na Colônia Penal Agrícola de Canasvieiras. Não é um documentário sobre a história da Operação”, disse. O referido capitão, encarregado da Colônia Penal onde estavam alguns dos 42 presos da Operação Barriga Verde, acabou respondendo um IPM sob a acusação de dar muita liberdade aos presos.
É isso mesmo. Eu fui um dos que esteve em visita à Colônia Penal de Canasvieiras. Fui visitar meu antigo professor de Física do Colégio da Aplicação da UFSC, o falecido Marcos Cardoso Filho, grande amigo, assim como Cirineu Martins (esse Martins é o mesmo meu) Cardoso, grande
poeta, e Alécio Verzola, sobrevivente daqueles tempos e meu vizinho aqui no Sambaqui. Numa dessas visitas pude saborear um porco assado no rolete, inteiro, trazido de Criciúma por parentes do também falecido Jorge Feliciano (que Deus o tenha!). Em outra ocasião, acompanhei Cirineu e Alécio, desde a Colônia, até um armazém na praia de Canasvieiras, onde compramos... Bem, compramos umas garrafas de cachaça, açúcar e limão.Na Colônia era mais ou menos assim. Os policiais militares que faziam a guarda sabiam que estavam tratando com presos políticos, muitos deles seus conhecidos ou conhecidos em toda a cidade. Os detidos aguardavam a sentença de uma hora para outra, avaliando que a fuga não valia a pena. Desse modo, a guarda relaxou e os presos trataram de tirar o melhor proveito possível das circunstâncias. Numa noite, um oficial do serviço secreto da PM fez uma incerta, como se diz: apareceu repentinamente na Colônia e reparou a falta de dois ou três que não estavam em suas celas – na verdade no alojamento.
Isso levou à prisão do capitão Coelho e seu indiciamento. “Devido à falta de relações sexuais eles estavam com dores nos testículos, por isso deixei que fossem passar a noite em suas casas”, justificou mais ou menos assim no IPM o oficial, conforme me relatou numa conversa o coronel Edmundo Bastos Júnior. São aspectos como esses e os dramas pessoais dos presos que estão sendo tratados no documentário.O passo seguinte do Chico Pereira (filho) foi me chamar para atuar como uma espécie de consultor (ele deu um nome pomposo, não recordo qual, para a tarefa). Dessa forma, passamos a ter contatos diários, pessoalmente, por telefone ou e-mail, discutindo as fontes, cenários para as locações, enfoques e até mesmo os profissionais a ser mobilizados. Edson Luis (Velho Bruxo), Marcelo Dias e outros foram aparecendo, como o repórter-cinematográfico Marco Antônio Nascimento, que assumiu a direção de fotografia.
As gravações ocorreram no início desse mês de janeiro, realizadas sobretudo na fortaleza de São José da Ponta Grossa e numa residência feita com materiais reciclados no Canto do Moreira (Ratones) e outros locais. Ao todo foram entrevistados 35 pessoas, ex-presos, parentes, amigos e também o lado oficial: carceireiros e policiais. As 30 horas de gravações começam agora a ser trabalhadas rumo ao produto final – um documentário de 52 minutos cujos detalhes podem ser conferidos no blog Audácia. Independente de qual seja o resultado, ficou o saldo de uma sincera amizade, o respeito mútuo e um horizonte de realizações conjuntas.
Mais detalhes no blog Audácia. 
Fortaleza de São José da Ponta Grossa (Florianópolis-SC), um dos cenários usados no documentário Audácia.























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